A Região Metropolitana de São Paulo enfrentou uma grave crise hídrica ao longo dos anos de 2014 a 2016, e, não obstante sua gravidade, foi notória a falta de protagonismos dos Prefeitos na busca de soluções, em especial a liderança política da maior cidade do Brasil.
Diante daquele cenário, um questionamento foi levantado pela Aliança pela Água: quais são, de fato, as responsabilidades dos municípios brasileiros na complexa e multissetorial gestão das águas? Desde então, esse desafio se transformou em iniciativas e inovações importantes.
Leia este post em inglês aqui: Innovations in water management in the city of São Paulo: the leading role of civil society
SOBRE A ALIANÇA PELA ÁGUA
Fundada em outubro de 2014, a Aliança pela Água é uma articulação da sociedade civil criada para enfrentar a crise hídrica em São Paulo e construir uma “Nova Cultura de Cuidado com a Água” no Brasil.
A Aliança é composta por um grupo amplo e diverso de mais de 60 organizações e movimentos envolvidos com questões do meio ambiente, direitos do consumidor, direitos humanos, educação, ativismo e inovação.
SEGUINDO OS PASSOS CERTOS
Em 2016, a Aliança decidiu criar uma frente de trabalho técnico para poder abordar essa questão de maneira mais efetiva. Um dos principais desafios observados durante a crise foi a falta de transparência na gestão dos recursos hídricos, o que influenciou diretamente a percepção da crise pela população e tornou mais difícil envolver os cidadãos em seu enfrentamento.
Sob a coordenação de Estela Neves, Profa. do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFRJ, foi conduzido um processo de revisão extensiva da Constituição Federal de 1988 e do arcabouço legal-normativo brasileiro, de modo a mapear e sistematizar todas as atribuições dos municípios nas diferentes políticas setoriais. Esse processo contou com a colaboração de integrantes do secretariado da aliança e do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), resultando na publicação do documento “Quem cuida da Água? Governança da água doce: a moldura jurídico-institucional nacional” (2016).
A partir desse documento técnico, foi criada a campanha #VotePelaÁgua, iniciada pela Aliança. Esta campanha conseguiu transformar os resultados da pesquisa em uma proposta de projeto de lei, organizada em três artigos e aplicável a qualquer município do Brasil. Esse texto foi concebido sob a égide do conceito de Segurança Hídrica. É importante salientar aqui que nenhuma atribuição nova foi criada e que o texto foi organizado na forma de um único instrumento legal, ou seja, a proposta de projeto de lei.
Com isso, seria possível garantir que os governos locais respondessem pelas ações de sua responsabilidade. Foi um instrumento útil para informar e também pressionar os candidatos em campanha durante as eleições municipais em 2016.
O resultado prático dessa mobilização foi a declaração assinada por mais de 300 organizações, em que foi ratificado o compromisso de 82 candidatos aos Legislativos e 18 candidatos aos Executivos de todo o Brasil, distribuídos em 47 municípios, de levar adiante a proposta do projeto de lei. De todos esses candidatos foram eleitos dois prefeitos nos municípios de Itu e Marabá, e cinco vereadores em São Paulo. O resultado técnico-político desse processo foi a elaboração de um documento que estruturava a segurança hídrica municipal em sete frentes, ilustradas na imagem abaixo.
A EXPERIÊNCIA DE SÃO PAULO
No município de São Paulo, maior cidade do país, a proposta de projeto de lei efetivamente avançou. Depois de ser apresentada no parlamento local, a declaração virou oficialmente um projeto de lei em dezembro de 2016, intitulado PL No. 575 e de autoria do Vereador Eduardo Suplicy (PT), com o apoio de um conjunto diverso de parlamentares[1] de diferentes partidos. A matéria foi aprovada em segunda discussão na Câmara Municipal em 8 maio de 2019 e promulgada em 31 de maio do mesmo ano a partir da Lei No. 17.104, que criou a Política Municipal de Segurança Hídrica e Gestão das Águas (PMSH).
Dois dispositivos da lei devem ser destacados:
o art. 3º, que determina a criação de “instância competente para implantar a Política Municipal de Segurança Hídrica e Gestão das Águas”; e
o art. 4º, que destaca que “Caberá ao Município (…) apresentar Relatório da Situação sobre Segurança Hídrica”.
Esta política pública inovadora coloca o foco nas ações e políticas de segurança hídrica a nível local e impulsiona a agenda como prioridade política. Dois grandes desafios no caso de São Paulo, para que a política realmente entre em vigor, é a) a criação de um órgão específico dentro do governo para articular e integrar a ação local, e b) a construção de um conjunto de indicadores que possam ser usados como um poderoso instrumento para monitorar, melhorar as políticas públicas e ampliar a comunicação com a sociedade e os cidadãos. Para avançar na implementação da PMSH, em 25 de junho, o Prefeito Bruno Covas (PSDB) assinou a Portaria No. 349, que constituiu a Comissão de Segurança Hídrica com as atribuições de elaborar uma proposta para a instituição de órgão específico para exercer as atribuições previstas no art. 2º da Lei e também elaborar uma proposta para monitoramento e aperfeiçoamento colaborativo dos indicadores e das políticas municipais previstas na Lei. Entre os diversos indicadores a serem considerados estão, por exemplo, o índice de estresse hídrico local e a evolução histórica dos dados de internação por doenças de veiculação hídrica. É igualmente importante destacar que a Comissão de Segurança Hídrica é composta por seis secretarias do governo municipal, dois representantes da sociedade civil[2] e um representante da academia. Por fim, cabe destacar alguns aspectos desse complexo percurso no âmbito da construção da PMSH/SP Esse trabalho em São Paulo é fruto de um processo técnico realizado em parceria com a academia, seguido de uma mobilização do eleitorado que teve a participação ativa de uma multiplicidade de atores da sociedade civil, com articulação política com diferentes partidos políticos e os poderes Legislativo e Executivo do município de São Paulo DO PONTO DE VISTA DA PARCERIA DE GOVERNO ABERTO Esse trabalho de cocriação se insere em uma lógica de governo aberto e participação social que visa, entre outros elementos, à construção de indicadores de monitoramento da nova lei. Esses indicadores permitirão acompanhar os avanços na implementação da lei e identificar os desafios para o avanço dessa agenda. Esses indicadores foram desenvolvidos a partir de um processo de diálogo com a sociedade civil, em que a Aliança pela Água teve papel fundamental ao proporcionar aporte técnico e mobilização social. Os indicadores contêm elementos das sete frentes que serviram de base para a lei. Considerando as lições aprendidas com a crise hídrica brasileira, em especial o caso de São Paulo, a transparência deverá ser um dos principais componentes desse processo, contribuindo para promover o controle social e uma participação qualificada, de acordo com os dispositivos explicitados na própria lei que criou a Política Municipal de Segurança Hídrica. São Paulo tem muito a compartilhar com o Programa Local da Parceria de Governo Aberto (OGP – Open Government Partnership) tendo em vista seus pilares de transparência, participação, cocriação e prestação de contas e o interesse da OGP em vincular as reformas de governo aberto com os serviços públicos – em que a água é um dos temas prioritários. Seria importante explorar futuros compromissos referentes aos recursos hídricos no plano de ação de governo aberto de São Paulo com base nesta experiência da Aliança pela Água. Sobre os Autores Guilherme Checco é Mestre em Ciência Ambiental pelo Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (Procam/IEE/USP) e Bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Atualmente ele atua como pesquisador no Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). Marussia Whately é arquiteta e urbanista, especialista em água e saneamento. É uma das idealizadoras da Aliança pela Água. É autora de diversos livros e publicações, entre eles o “Século da Escassez. Uma nova cultura de cuidado com a água: impasses e desafios”. Atualmente é diretora-executiva do Instituto Água e Saneamento. Mais sobre a Comunidade de Práticas no domínio da Água e da Governação Aberta Os desafios atuais no domínio da água, desde a expansão da prestação de serviços até à limpeza das vias navegáveis mundiais, exigirão mais do que a melhoria das infraestruturas e a intensificação dos investimentos. Os governos e a sociedade civil devem também enfrentar desafios políticos assustadores, como a gestão fragmentada dos recursos, a corrupção e a desigualdade de acesso à água potável. A adoção de reformas governamentais abertas pode ajudar na capacidade institucional, facilitar a coordenação entre as partes interessadas e resolver assimetrias de informação, para promover a prestação de serviços de água e saneamento mais justos, confiáveis e eficientes. A Comunidade de Práticas sobre Água e Governo Aberto é um espaço colaborativo para que as partes interessadas compartilhem ideias e conhecimentos para apoiar reformas governamentais abertas para a água. É administrada pela Fundación Avina, a Open Government Partnership, o Instituto Internacional de Água de Estocolmo (SIWI), a Water Integrity Network (WIN) e o World Resources Institute (WRI) desde 2017. Saiba mais em: https://www.opengovpartnership.org/policy-area/water-sanitation/ Notas [1] Aliança pela Água e Rede Nossa São Paulo. Em julho de 2019, por uma questão de disponibilidade de agenda, a Rede Nossa São Paulo (RNSP) foi substituída pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), ambos membros da Aliança pela Água. [2] Vereadores Gilberto Natalini (PV), Nabil Bonduki (PT), José Police Neto (PSD), Soninha Francine (à época PPS, atual CIDADANIA), Ricardo Young (REDE), Toninho Vespoli (Psol), Jair Tatto (PT), Sâmia Bomfim (Psol) e Celso Giannazi (Psol)
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CONTRIBUTORS:
Authors: Guilherme Checco and Marussia Whately
Reviewer: Comunidade de Práticas no domínio da Água e da Governação Aberta
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